Fonte: Human Rights Watch (HRW) |

Moçambique: Alunas grávidas e mães adolescentes abandonam a escola

Instruir educadores sobre as suas obrigações, melhorar os serviços de saúde reprodutiva

MAPUTO, Moçambique, 14 de fevereiro 2024/APO Group/ --

Em Moçambique, as raparigas adolescentes que estão grávidas ou são mães abandonam os estudos porque não recebem apoio adequado por parte das escolas; As raparigas que se tornam mães sofrem muitas vezes discriminação, estigma e falta de apoio e de condições flexíveis, o que torna impossível conciliar as responsabilidades escolares e de cuidados dos filhos. A falta de educação gratuita empurra muitas raparigas das famílias mais pobres para o abandono escolar; Moçambique deve adotar regulamentos juridicamente vinculativos que garantam o direito das raparigas à educação durante a gravidez e a maternidade, bem como providenciar uma educação sexual abrangente e cuidados infantis.

Muitas adolescentes em Moçambique, que estão grávidas ou são mães, abandonam os estudos porque enfrentam enormes obstáculos e não recebem o apoio adequado por parte das escolas durante aquele que é um dos períodos mais vulneráveis da sua vida, anunciou a Human Rights Watch num relatório publicado hoje. Embora o governo de Moçambique já tenha revogado, há mais de cinco anos, medidas que discriminavam as alunas grávidas e mães adolescentes, ainda são muitos os professores e os funcionários do setor da educação e das escolas que carecem de instruções claras sobre a proteção do direito à educação destas alunas.

O relatório de 57 páginas , «As raparigas não devem desistir dos estudos»: Os desafios enfrentados pelas raparigas grávidas e mães adolescentes em Moçambique para continuarem a estudar, documenta os diversos obstáculos enfrentados pelas raparigas adolescentes e mulheres que estão grávidas ou são mães, bem como os problemas que enfrentam quando tentam continuar a estudar. As alunas também não têm acesso − ou é-lhes negado o acesso − a informação sobre saúde sexual e reprodutiva, em especial educação sexual abrangente, bem como a serviços de saúde sexual e reprodutiva que sejam adequados à adolescência, incluindo uma ampla gama de opções contracetivas e de serviços legais e seguros de interrupção voluntária de gravidez, nos limites da lei.

“As raparigas que se tornam mães muito jovens, muitas vezes sofrem discriminação, estigma e falta de apoio e de condições flexíveis, o que torna impossível conciliar as responsabilidades escolares e de cuidados dos filhos,” disse Elin Martínez, investigadora sénior em direitos da criança na Human Rights Watch. “Esta combinação de obstáculos significa que muitas das raparigas grávidas ou mães, ou mesmo a sua maioria, abandonam os estudos sem concluir a escolaridade básica.”

Em 2003, o governo moçambicano adotou um despacho ministerial do que impôs aos funcionários das escolas a transferência de raparigas grávidas e mães adolescentes das escolas de ensino diurno para escolas de ensino noturno – com base numa infraestrutura já existente, criada para o ensino básico de adultos. Este despacho veio consolidar e autorizar a discriminação contra estas alunas do sistema de ensino nacional, negando às alunas do sexo feminino que estão grávidas ou são mães o direito a estudar no ensino diurno, ao lado das suas colegas.

Grupos da sociedade civil moçambicana lideraram uma campanha que conseguiu pressionar o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano a revogar o despacho, eliminar barreiras discriminatórias às raparigas grávidas ou mães e proteger as raparigas da violência sexual generalizada nas escolas. Em Dezembro de 2018, o governo revogou o despacho de 2003 e instruiu as escolas a permitir que as alunas grávidas e mães estudem durante o período escolar normal, de dia.

O governo demonstrou vontade política, através da eliminação desta medida discriminatória, de promover a educação das raparigas, afirmou a Human Rights Watch. No entanto, tem tido dificuldade em transformar esta política positiva numa realidade ao nível escolar e em combater as enormes barreiras sistémicas e sociais que as raparigas enfrentam para continuar a estudar. A Human Rights Watch descobriu que alguns professores e autoridades escolares encaminharam automaticamente as alunas para escolas do ensino noturno devido ao estigma, às práticas discriminatórias existentes ou à falta de orientação ou clareza dos funcionários do setor da educação. Outros professores apoiaram ou incentivaram as alunas a continuar na escola.

As raparigas grávidas e mães, tal como muitas outras alunas do ensino secundário em Moçambique, também abandonam os estudos devido à falta de educação gratuita, ou a outras barreiras sistémicas e financeiras que afetam desproporcionalmente as raparigas dos agregados familiares mais pobres. Estas barreiras incluem o elevado custo da educação associado às propinas e taxas de matrícula, à compra dos uniformes escolares e outros custos indiretos, bem como as distâncias até às escolas, muitas vezes longas e por vezes perigosas, ou o custo dos transportes.

As responsabilidades de cuidar dos filhos também impossibilitam muitas mães jovens de frequentar a escola. O governo deve garantir que as alunas são apoiadas e encorajadas a continuar a estudar, criando estruturas de cuidados infantis e educação na primeira infância, a que as alunas mães possam ter fácil acesso.

O governo moçambicano deve adotar regulamentos juridicamente vinculativos que garantam o direito das raparigas à educação durante a gravidez e a maternidade, afirmou a Human Rights Watch. O governo deve ter na devida conta as experiências e perspetivas das raparigas adolescentes e aprender com os exemplos de outros países africanos, para definir o seu próprio quadro político compatível com os direitos humanos para abordar as necessidades das adolescentes grávidas e mães.

O governo também deve garantir que todas as crianças têm acesso a uma educação sexual abrangente, com precisão científica, adequada à idade e à fase da vida em que se encontram, bem como a serviços de saúde reprodutiva gratuitos e robustos, adequados a adolescentes, incluindo o acesso a serviços de interrupção voluntária de gravidez, nos limites da lei.

"O governo de Moçambique enfrenta enormes desafios na promoção do direito das raparigas adolescentes à educação," disse Martínez. “O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano deve enviar um sinal forte do seu compromisso com a igualdade de género, adotando rapidamente instruções ministeriais para garantir que todas as escolas e professores compreendem as suas obrigações.”

Dados principais sobre a educação das raparigas em Moçambique:

  • Moçambique tem o quinto maior índice de casamento infantil do mundo.
  • Os índices de gravidez na adolescência em Moçambique são os mais elevados da África Oriental e Austral: Em 2023, 180 em cada 1000 raparigas e mulheres jovens com idades entre os 15 e os 19 anos deram à luz, um número que contrasta com a média regional que se situa nos 94 nascimentos por 1000 raparigas.
  • Pelo menos uma em cada 10 raparigas teve um filho antes dos 15 anos, de acordo com as Nações Unidas.
  • Um estudo de 2019 sobre dados recolhidos ao longo do tempo sobre o abandono escolar no ensino primário em Moçambique concluiu que 70% das raparigas grávidas, muitas das quais ainda estavam matriculadas na escola primária após a puberdade por já terem entrado para a escola tarde, deixaram de estudar.
  • Em 2022, apenas 41% das raparigas concluíram o primeiro ciclo do ensino secundário. Em 2020, apenas 4% das raparigas concluíram o segundo ciclo do ensino secundário.

Distribuído pelo Grupo APO para Human Rights Watch (HRW).